Flores exóticas

tumblr_myw3d69eZu1slelazo1_500Ele ainda não havia perdido a mania das persianas abertas, isso trazia para a sala uma claridade insuportável e deprimente pois parecia estar sempre presente mesmo quando anoitecia. O ideal sempre foi um ambiente agradável onde apenas algumas luzes quebrassem o negro com tons secundários, porém nítidos. O meu quarto sempre foi escuro, mesmo que estivéssemos no calor de janeiro em um dia de festa, do lado de dentro jamais poderiam saber o quão discrepante seria a vista lá fora. Havia me tornado um ser enclausurado e acostumado com a própria escuridão, eu jamais precisei de um choque forte para desfazer aquela âncora.

“Muito bem, quais as novidades?”

Eu ainda não havia perdido a mania de manter meu interesse sempre do lado oposto da conversa principal. Eu poderia fazer um relatório fiel sobre o ambiente mas nunca sobre a pessoa com quem conversava, isso explicava a minha decepção com a falta de atributos que meus conhecidos poderiam ter. Entre eles e os móveis eu sempre preferi uma decoração bonita e excêntrica para um dia usar no meu quarto escuro, optando também por tonalidades escuras e o branco que, eventualmente, coincide com ambientes frios. 

No entanto, dessa vez havia algo pertinente a relatar. Eu sabia como eram todos cômodos daquela casa, exceto a varanda onde minha última visita não contava tanto tempo. Pela primeira e derradeira vez pude olhar nos olhos. Naquele dia pude observar como era singelo os trejeitos para organizar as dobras impertinentes da toalha, os dedos arteiros retirando as embalagens que estavam na mesa ou ainda os olhos famintos encarando o lanche natural no fogão. Aquela fala um pouco desafinada de menino entrando na puberdade, quando na verdade já poderia ter um filho nessa fase. Ele sempre havia sido desleixado e moderadamente confuso, o bastante para manter a dose exata de como ser agradável. E só por estar olhando-o já sentia o almoço voltar à garganta como se ali eu pudesse exibir sem nenhum pudor o quanto a companhia exagerada tornava-se o dedo agressivo impulsionando o asco. Ele era a evidência de toda minha miséria, era o estranho que adorava passar o tempo falo de si, coisas fúteis e vazias, com o orgulho de quem conta um ato heroico. Acordar todos os dias não faz de um ninguém, alguém digno de algo.

“Você está calada, eu sempre digo mais do que devo.”

Ofereci o café, embora não tenha sido em grande parte feito por mim, alguns gostos permanecem sempre os mesmos até a última rotina do dia. E se acaso soubéssemos do prelúdio, talvez notaríamos a relevância de certos hábitos. Também seríamos cuidadosos em preservar certos costumes íntimos. Não partilhar nada, nem mesmo o adoçante do café que nos consome. Ele nunca teve filhos ou alguém que lamentasse em seu lugar o desleixo de sempre tão pouco o acumulo exagerado de livros empoeirados que lhe causavam alergia. Eu, em tempo, perguntei se poderia pegar emprestado dois ou três que ainda não estiveram estanciados por tanto tempo até pegar poeira, e levando-os pude notar o encaixe perfeito em meus braços e a forma como foram feitos para mim. Os títulos, a sinopse, algumas páginas amarelas mas ainda sem cheiro. Eu deixaria que eles vivessem para sempre em um canto limpo da minha âncora vazia, vivos e acesos. Enquanto meus passos pintavam a claridade exagerada de negro, e meus olhos registravam o último momento em que o café coloria o carpete da cozinha, e ele por fim transformaria suas últimas frases em um eco soando baixo em meus ouvidos sempre que os livros fossem abertos. Em um final mais impactante do que seus causos sempre os mesmos, certamente o seu primeiro ato heroico foi acompanhar, com os olhos, a minha partida.

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